sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Dos filhos sem mãe

As vezes eu paro e tento acreditar, embora não queira, que você não está mais entre nós. Sim, Matheus, eu prefiro os eufemismos, eu não quero nunca dizer com todas as letras. Eu sei que você se foi e pra não voltar. Sei que não vai aparecer aqui e pedir um biscoito, que não vai fugir do abrigo e querer se refugiar em minha casa, fazer xixi e não dar a descarga, tomar banho e não enxugar o banheiro, nem as pernas.

Tantas vezes me tirou do sério com suas brincadeiras infantis e eu me segurando pra não dar um cascudo. Quantas vezes tive medo de deixar você dormir lá em casa, medo das suas más companhias, não foi por mal, Matheus, eu só queria proteger meu filho.

Meu filho gostava de você e ainda lembra, o que me faz chorar. Eu também te amava, te amo, sei lá! E penso que Jesus não protegeu seu filho, por amor a um mundo inteiro de pecadores!

Aqui tem uma toalha que você deu a Thiago no dia dos pais. Eu sei que você o amava e ele a você. Você era impossível, trabalhoso, respondão. Você gostava de Benício dançando a música do tomatinho vermelho e eu sempre me lembrarei dos 500 vídeos que gravou no meu celular cantando "Eu não sou nada sem Ti, eu não vivo, sem Ti, sem tua presença eu morro"

A última vez que te vi, estava tão alto, com um vozerão. Estava crescendo e sei que já tinha botado uns filhos no mundo. Filhos que crescerão sem pai e que possivelmente cresceriam assim mesmo, mesmo que você tivesse aqui.

Se a maioridade penal fosse reduzida, tudo poderia ser diferente. Não quer dizer que concordo com a redução, mas você poderia estar vivo e preso, ou talvez não tivesse se metido a besta e estivesse no milionésimo abrigo para menores da cidade. Eu sei que você não escolheu ser pobre, que não escolheu nascer na favela, comunidade, como queiram chamar. Muito menos quis voltar pra casa um dia e ver que sua mãe tinha vendido o barraco e ido embora sem avisar!

Por falar em sua mãe, a conheci um dia. Eu estava comendo numa pizzaria e ela chegou com a sua reca de irmãos, drogada e grávida! Ela não escolheu ser pobre, ela não escolheu nascer na favela.

Muitos podem dizer que você teve todas as oportunidades pra mudar de vida. Eu poderia dizer isso, porque vi meu marido sair a noite e procurar abrigo pra você. Vi ele conversar muitas e muitas vezes e vi suas promessas de mudança. Eu prefiro dizer que acreditei e acredito que você tentou.

Não sei, nunca saberei se fiz tudo que pude. Acho que não. Não te abracei o quanto poderia, não disse que te amava. mas é tarde.

Fico aqui com essa sensação de que qualquer dia os meninos dirão "foi um engano" ou que eu vou ouvir sua voz irritante dizer "Lora, Thiaguim tá aí?"! Eu desceria as escadas correndo, você estaria de bigode e eu te daria um longo abraço como nunca te dei, como nunca darei.

Por fim, sei que você não vai ler isso, mas espero que qualquer que leia pense em todos os filhos sem mãe. Sem mãe, sem pai e sem pão!

A vida é feita de escolhas? Sim! Mas não sabemos aonde nossas escolhas podem nos levar,  nem temos todos as mesma opções...